Skip to content →

jazz.pt / Ponto de Escuta

tilting curvaceous | patrick brennan s0nic 0penings (Clean Feed)

António Branco
4 April, 2023

“Tilting Curvaceous” marca o regresso do saxofonista, compositor e improvisador patrick brennan e do seu ensemble s0nic 0penings – aqui em formato de quinteto, com Brian Groder, Rod Williams, Hilliard Greene e Michael TA Thompson – ao catálogo da Clean Feed. A jazz.pt já o escutou.

Foi ainda em Detroit, sua cidade natal, que o saxofonista, compositor e improvisador patrick brennan – respeitemos a sua preferência por grafar o nome em letras minúsculas – integrou um grupo formado à volta do contrabaixista Ubadiah Bey Obey para sessões semanais de improvisação coletiva. A música que então ouviu também o marcaria para sempre, em especial uma atuação de Archie Shepp na Strata Concert Gallery, gerida por músicos, com dois bateristas, que lhe deixaram uma profunda impressão. Estabelecido em Nova Iorque desde 1975 – onde começou por trabalhar como contrabaixista durante quase uma década – foi depois do seu instrumento ter sido seriamente danificado que decidiu dedicar-se ao saxofone. Desde então tem sabido erigir um sólido e multifacetado percurso, explorando conceitos baseados na sobreposição de células polirrítmicas. Desenvolvendo inicialmente esses conceitos em formações alargadas e organizadas de forma modular, potenciado a livre improvisação coletiva em tempo real, passou depois a adaptá-los a grupos mais reduzidos e nas suas apresentações a solo.(editorial note: these ideas were originally worked out with small & mid size ensembles)

brennan passou a maior parte da década de 1990 a viver em Lisboa, integrando a cena do jazz mais aventuroso e da música improvisada da capital portuguesa, com saltadas a Essaouira, Marrocos, para experiências com a música da cultura gnawa, avultando o Sudani Project com o m’allim (mestre) Najib Soudani e o baterista/percussionista/vocalista Nirankar Khalsa. Foi com o seu longevo ensemble s0nic 0penings (fundado em 1979) que operacionalizou, em diferentes contextos e configurações instrumentais, muitas das suas ideias, sobretudo em gravações realizadas no final da década de 1990 e início da de 2000. Desde 2014 lidera também um outro ensemble, Transparency Kestra, e tem mantido um profícua colaboração com o guitarrista e manipulador sonoro Abdul Moimême (que fora seu aluno de saxofone tenor), sendo exemplo o álbum “Terraphonia”, de 2019. Foi, aliás, Moimême quem misturou e masterizou “Tilting Curvaceous”, o novo álbum para a Clean Feed, marcando o regresso ao catálogo da editora portuguesa dezasseis anos depois de “Muhheakuntuk” (o termo usado pela tribo Lenape para nomear o rio Hudson).

Numa reveladora entrevista à revista online Perfect Sound Forever, em dezembro de 2019, brennan explanou como entende a relação entre composição e improvisação: «se concebermos a composição como uma ação, ou seja, como uma escolha entre sons na montagem de uma imagem sonora, então todos compõem. O que chamamos de improvisador não é, portanto, “não-compor”, mas alguém que compõe em circunstâncias que diferem radicalmente do que um compositor faz para partitura, ou fita, ou arquivo digital, ou algoritmo.» E acrescentou: «Mas as relações são ainda mais complexas do que isso. Há o pensamento instantâneo, mas também há o pensamento que se desenvolve lentamente e a sua interdependência simbiótica, de que o instante depende da experiência e da preparação, enquanto informa e molda reciprocamente outras conceções em evolução a longo prazo.» (A este propósito, não esquecer o livro “Ways & Sounds” (Arteidolia Press, 2021), no qual brennan aborda algumas das implicações formais das interações sociais internas da música na composição e audição.)

Neste “Tilting Curvaceous”, patrick brennan expande os “e se” composicionais e a plasticidade da dinâmica da seção rítmica, trabalhando 14 possibilidades a partir do material-base (células polirrítmicas melodicamente codificadas), desenvolvendo-o em múltiplas direções. Aos ombros de gigantes como Ellington, Monk, Mingus, Ornette Coleman, Cecil Taylor, Henry Threadgill e outros, constrói edifícios específicos para improvisação coletiva, uma espécie de lego sonoro a partir de peças passíveis de serem conjugadas de infinitas formas. Desta feita, os comparsas são Michael TA Thompson, na bateria, Hilliard Greene, no contrabaixo, Brian Groder, no trompete e fliscorne, e Rod Williams, ao piano; todos eles aportam as suas sensibilidades e abordagens próprias, decisivas para o cômputo sonoro.

Do lado do saxofonista escutamos um discurso fragmentado, entregando-se a jogos de aproximação e afastamento da linguagem do jazz, dos vários jazzes. Em “Tilting Curvaceous 01” o motivo é exposto pelas notas graves do piano, mais bateria e contrabaixo, e logo entram em cena os demais instrumentos numa dança garrida (soberbo apontamento final do baterista). “02” é mais solene, com o saxofone pungente. Rápida e intensa, “03” revela os sopros numa dança frenética suportados pela secção rítmica efervescente. Em “04” é o piano que está no olho do furacão; Em “05” urge acompanhar com atenção os passos dados pelo baterista e o diálogo entre sinuoso trompete e saxofone. “06” é introduzida pelo saxofone, que discursa altivo até que se instalam uníssonos com o trompete e ambos entabulam interessante diálogo.

“07”, a mais extensa peça do álbum (a sua duração em pouco excede os cinco minutos), escutamos o trompete claro de Groder, um soberbo solo do contrabaixista e um Michael TA Thompson delicado no trabalho de címbalos, mas sempre a puxar a formação para a frente. A parte final da peça é dominada pelo lirismo do trompete. “08” é marcada pelas linhas cruzadas de saxofone e trompete, e de novo a dupla rítmica a swingar em lume alto. Balada esdrúxula e delicada, “09” jamais resvala para lugares-comuns; “10” serve de introdução telegráfica à peça seguinte, de que os sopros a dado momento se retiram, ficando o trio piano-contrabaixo-bateria a revelar relação empática. O contrabaixista dá o mote para “12”, a que se vem juntar o saxofone, que se lança num voo livre. “13” exala um perfume vintage, mormente por via do trompete, que deambula com propósito e elegância. O epílogo do álbum é uma declaração solística do saxofonista que parece dizer até já.

 Leia a crítica original em jazz.pt